terça-feira, 19 de novembro de 2013

Leitura Fundamentalista da Bíblia


A leitura fundamentalista da Bíblia é um entendimento literalista do texto bíblico, que considera sua forma final como a expressão verbatim da Palavra de Deus e a vê como clara, simples e sem ambigüidade. Normalmente recusa-se a usar o método histórico-crítico ou qualquer outro suposto método científico de interpretação e não leva em conta as origens históricas da Bíblia, nem o desenvolvimento de seu texto ou suas diversas formas literárias.
Ao não levar em conta o caráter histórico da revelação bíblica, a leitura fundamentalista não admite que a Palavra de Deus inspirada tenha sido expressa na linguagem de autores humanos que podem ter tido capacidades extraordinárias ou limitadas e escreveram em diversas formas literárias. Conseqüentemente, tende a tratar o texto bíblico como se ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito e considera o autor humano mero escriba que registrou a mensagem divina. Além disso, dá indevida ênfase à inerrância de detalhes, em especial os que supostamente dizem respeito a acontecimentos históricos ou questões científicas. Ignora os problemas apresentados pelos textos hebraicos, aramaicos e gregos originais e muitas vezes se prende a determinada tradução ou edição da Bíblia. Na interpretação dos Evangelhos, confunde o estágio final da tradição evangélica (o que os evangelistas escreveram, c. 65-95 d.C.) com seu estágio inicial (o que Jesus fez e disse, c. 1-33 d.C.). Conseqüentemente, ignora a maneira como as comunidades cristãs primitivas entenderam o impacto produzido por Jesus e sua mensagem. Por isso, esta leitura literalista da Bíblia tem pouco a ver com o sentido literal genuíno da Escritura
Lê-se em Josué, um dos livros da Bíbliacapítulo 10versículos 12-13:
 "No dia em que o Senhor entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, Josué falou ao Senhor e disse, na presença dos israelitas: 'Detém-te, ó Sol, sobre Guibeon'. E o Sol parou no meio do céu e não se apressou a pôr-se durante quase um dia inteiro." 
Este é o passo famoso que deu origem à oposição dos representantes da Igreja a Galileu e à ciência. Como podia ser a Terra a girar, se a Bíblia diz que o Sol parou? Mas já na altura Galileu foi mais avisado do que os seus opositores, quando contrapôs que a Bíblia não nos diz como é o céu mas como se vai para o Céu.

Que a leitura dos livros sagrados não pode ser literal mostra-se inclusivamente pelo fato de eles conterem erros científicos no domínio da física, da astronomia, da história. Pense-se, por exemplo, em todos os debates cegos à volta doGênesis e concretamente do mito da criação, quando se não percebe que não se trata de informação científica de física ou biologia, mas de uma mensagem religiosa em linguagem mítica: James Usher, arcebispo de Armagh e primaz de toda a Irlanda (1581-1656) pretendeu saber a data da criação da Terra: 23 de Outubro de 4004 a. C., tendo Bertrand Russell observado corrosivamente que esse dia caiu numa sexta-feira, já que Deus descansou no sábado!
Há também o caso risível de um teólogo de Münster que, no século XIX, pretendeu apresentar uma prova "científica" da existência do inferno no interior da Terra, argumentando com os vulcões! É claro que teologias ridículas como estas só podem contribuir para o aumento do número dos ateus.

Os livros sagrados não estão sequer imunes a imoralidades. Não é preciso ser especialmente piedoso para considerar particularmente impiedosa esta impetração bíblica, no Salmo 137"Cidade da Babilônia devastadora, feliz de quem te retribuir com o mesmo mal que nos fizeste! Feliz de quem agarrar nas tuas crianças e as esmagar contra as rochas!"  Como atribuir a Deus o que não conseguimos pensar de um ser humano bom e decente? O exegeta N. Lohfink assevera que o Antigo Testamento "é um dos livros mais cheios de sangue da literatura mundial". 

Torna-se, pois, claro que os livros sagrados - a Bíblia, o Alcorão e todos os outros - não são ditados divinos e precisam, por isso, de uma mediação hermenêutica, não podendo de modo nenhum - exige-o o respeito para com o próprio Deus - ser engolidos na sua totalidade de modo acrítico.

Um dos contributos decisivos da modernidade consiste na leitura histórico-crítica dos livros sagrados. Albert Schweitzer, teólogo, filósofo, médico, músico, Prêmio Nobel da Paz, tinha razão ao escrever que o empreendimento da crítica bíblica representa "a coisa mais poderosa que alguma vez a reflexão religiosa ousou e realizou".

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